Resenha Crítica: Entrevista Astrid Baecker Avila
- Juliana Baptista
- 4 de dez. de 2016
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AVILA, A. B. Nós da Educação: depoimento. [2007]. TV Paulo Freire. Entrevista concedida a Suyanne Tolentino.
“Quais os conhecimentos que justificam a presença da Educação Física no currículo escolar?” A entrevista com a Astrid Baecker visa responder essa questão, estabelecer relações com a origem da ginástica, a esportivização, a cultura corporal, a dança, os movimentos sociais e apresentar as problemáticas presentes na Educação Física escolar.
A Educação Física é um recorte da cultura que busca adaptar o ser humano a sociedade no qual vivemos. É uma forma de reprodução de preconceitos, das desigualdades sociais, uma singela reprodução sem o questionamento da sua verdadeira função enquanto parte da escola.
Com o advento do capitalismo, as relações sociais se modificam, existe a necessidade de se projetar um novo corpo para a sociedade. Com grande influência da ginástica francesa, há o disciplinamento do corpo. Há uma valorização do corpo retilíneo, aprumado e condicionado para o trabalho. Para a demanda da “nova sociedade”, cessa a ideal nômade, com isso, os indivíduos precisam de uma moradia fixa, se sujeitar ao ritmo e as horas de trabalho, perde a liberdade de escolha e tomada de decisões.
A Educação Física torna-se obrigatória no currículo escolar a partir do período militar do Brasil, tendo a ginástica como conteúdo escolar obrigatório. O ideal da construção de um país forte através da disciplina e treinamento é delegado a Educação Física junto com a disciplina moral e cívica. Esse processo se deu através da calistenia, movimentos repetitivos, adoção de uma postura corporal ereta.
Atualmente, coloca-se em discussão a materialização de um modelo que não exclui o ser humano, que não vise trabalhar apenas com o ser que já possui habilidades motoras. Deve-se pensar na Educação Física enquanto possibilidade de emancipação humana, refletir as dificuldades e a reprodução de movimentos sem a percepção dos elementos que os justificam. Entretanto, a Educação Física ainda é predominantemente vista apenas como uma prática corporal, reproduzindo o modelo do esporte, da competição e comparações, deixando um conjunto de conhecimentos e temas.
Surgem várias perspectivas contrárias ao modelo de esportivização existente, dentre elas, as que mais se destacam são: a cultura corporal, que se dá a partir do materialismo histórico organizado pelo coletivo de autores e desenvolveu uma metodologia de ensino; a cultura de movimento, que é influenciada pela Escola de Frankfurt e trabalha mais com a fenomenologia e teoria crítica, com a ideia do agir comunicativo; e a cultura corporal de movimento, faz uma tentativa de conformação das duas perspectivas anteriores, através de Valter Bracht para identificar uma área de conhecimento. As três visam tentam definir esse espaço ampliado que é a Educação Física.
A socialização da criança ocorre principalmente nas aulas Educação Física, visto que esta estabelece relações com diversas culturas. Além de que, essa disciplina tem a possibilidade de mostrar aos alunos a influência da mídia, que impõe padrões de estética, comercializa o esporte e supervaloriza o alto rendimento. Outro aspecto é oportunizar o conhecimento de diferentes significados dentro da música, da dança, da arte, do esporte, dando-lhes senso crítico e permitir a reflexão sobre cada um deles, sob diferentes olhares.
Alguns temas ou questões que podem ser refletidos nas aulas de Educação Física são: os padrões corporais para homens e mulheres influenciadas pela mídia, o marketing para a venda de produtos, até que ponto o esporte é saúde e doping. Ao analisarmos a capoeira, por exemplo, além da parte motora, pode-se abordar seu conteúdo histórico, o porquê de seus movimentos, observar a formação de nichos de mercado para a venda de abadás, instrumentos, Cds e outros materiais envolvidos.
Ao trabalhar o conteúdo dança na escola, a função do professor é ofertar diversificações de musicalidade, outras formas de expressão corporal, levantar questionamentos quanto às letras das músicas e o que elas reproduzem, no sentindo de refletir as práticas corporais e não apenas repetir movimentos mecânicos. É importante salientar, que o papel da Educação Física vai além do saber fazer corporal.
A esportivização é um fenômeno que ocorre na Educação Física quando se traz o esporte para as aulas como o fim. Tratando a escola como a base da pirâmide esportiva e trabalhando em função daqueles que já possuem habilidades e competências, reforçando preconceitos e desigualdades. É necessário que esse componente curricular seja visto não apenas como uma prática corporal que reproduz o modelo sistemático do esporte, onde a competitividade e o individualismo predominam, mas que seja valorizada a existência de variadas vertentes que apontam para um conjunto de conhecimentos, das manifestações humanas e seus significados.
A Educação Física não pode ser uma aula em que os alunos se movimentem o tempo inteiro, por isso também é necessário a presença da teoria. Como essa disciplina possui diferentes dimensões de conteúdos, a prática se dá pelo saber fazer corporal e a teoria pelas reflexões e discussões sobre o saber fazer.
Portanto, a interdisciplinaridade não pode passar despercebida pelos alunos. A existente proposta de dimensão dos conteúdos mostra que o objetivo principal das aulas de Educação Física só será alcançado se o professor valorizar as dimensões conceituais (“por que fazer”) e atitudinal (“como se relacionar dentro desse fazer”), ao invés de valorizar de forma predominante, a dimensão procedimental (“saber fazer”).
A avaliação tem sido tradicional, querendo aproximar o aluno de um modelo apenas motor e técnico. Enquanto, na realidade, a avaliação deveria ser do processo de ensino aprendizagem, isto é, de uma forma contínua, em diversos aspectos (motores, cognitivos, afetivos, atitudinais) e envolvendo o professor que está aplicando o conteúdo.
O professor tem o papel de dar acesso ao conhecimento e o olhar crítico sobre a realidade. Logo, permitir a análise das coisas nas suas raízes, levantar questionamentos, apresentar diferentes possibilidades e vivências, problematizar determinados temas e fazer com que o aluno amplie seu olhar sobre as coisas, deveria ser o fim da Educação Física de acordo com a perspectiva emancipatória.